Segue aqui importante artigo publicado no The Intercept sobre a farsa montada para criar manchete na imprensa corporativa, em mais um desmando do estado policial contra a população das periferias da cidade do Rio de Janeiro.
Os cento e trinta e nove
A polícia chegou na festa na madrugada de 7 de
abril. Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, de onde as milícias partiram, em meados
dos anos 1990, pra dominar a cidade.
![]() |
Abuso policial instaura o medo nas periferias do Rio. |
Mataram quatro pessoas ainda do lado de fora. Ao
entrar, mandaram todas as mulheres embora, ordenaram que os homens deitassem no
chão, de bruços e sem camisa. Poucas horas depois, imagens de ônibus cheios de
jovens tranquilos e sem algemas já estavam nos jornais matinais de TV. Sem
qualquer questionamento. À noite, foi destaque no Jornal Nacional: “Bandidos
que fazem parte da principal milícia do Rio aproveitavam a noite em um sítio,
em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.”
159 presos. 148 réus primários. 8 menores. Uma
pessoa identificada pelos moradores como deficiente mental.
O mais perto que a acusação chegou foi mostrar
passagem pela polícia de 11 deles.
Isso mesmo: uma prisão em massa em uma festa –
promovida por uma estação de rádio, com ingresso, anúncio nas redes,
pulseirinha – no Brasil de 2018.
A própria delegacia que os prendeu reconheceu
formalmente que 139 presos não têm “participação em grupo criminoso,
especialmente em milícias ou correlatas". Elas continuam presas.
Até a semana passada, dezenas não tinham advogados.
As que conseguiam estavam vendendo bens pessoais pra pagar – "bens de
pobre, televisão, bicicleta essas coisas", me disse uma pessoa. As
famílias estão dispersas; não há um líder claro; algumas apenas estão "orando
e pedindo a deus". É o Brasil em estado bruto.
Tem uma coisa particularmente revoltante: muitos
familiares defendem os seus dizendo que “são trabalhadores”. Voltamos ao tempo
em que, pra provar inocência, a pessoa precisa mostrar carteira de trabalho
assinada – no país em que a carteira assinada anda fora de moda. Como se apenas
o capitalismo fosse capaz de dar cidadania a alguém.
No Rio de Janeiro desses dias, quem comanda a
Secretaria de Segurança Pública é um general do Exército. O mesmo general que
disse em coletiva, depois das prisões, que essa é a "mais exitosa operação
da intervenção". A intervenção é realmente um êxito espantoso.
Leandro Demori
Editor Executivo The Intercept
The Intercept conversou com os familiares de alguns presos. Oito menores também foram apreendidos e vendidos para a imprensa como milicianos.
Leia mais aqui.
Comentários
Postar um comentário