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Mas sem perder a ternura, jamais!
Enivaldo Gonçalves sempre foi um sujeito de boa
paz, até a hora em que sentia ameaçados os direitos da classe trabalhadora que
tão bem representou e defendeu. Menino pobre numa cidade rica, aos onze anos
foi emancipado para tirar a Carteira de Trabalho e ajudar sua mãe no sustento
da casa e na criação de seus irmãos e irmã – trabalhava no Hotel Casablanca e
morava na Rua Teresa. Nesse trajeto, todos os dias escutava os gritos e
lamentos dos presos na Delegacia de Polícia que ficava na entrada da rua 24 de
Maio – vivíamos então os “anos de chumbo” da ditadura civil-militar. E disso
lembrava até seus últimos dias, como ficou registrado no depoimento que prestou
para a Comissão Municipal da Memória, Verdade e Justiça de Petrópolis.
Incansável lutador das causas sociais,
Enivaldo iniciou sua vida pública liderando a greve dos servidores municipais
em 1979, e que proporcionou a transformação da associação dos servidores em
sindicato, o SISEP. Naquela greve enfrentou pela primeira vez a polícia
política da ditadura, quando foi duramente interrogado e sofreu tortura
psicológica em uma sala da Câmara Municipal. Conforme relatou, não fosse a
presença do presidente da Câmara na época, o saudoso Calau Lopes, o episódio
poderia ter tido um final trágico - “Queriam saber a qual célula comunista eu
pertencia, mas eu nem sabia o que era isso! ”
Dias depois, recebendo do advogado
Gustavo Friaça as primeiras lições de teoria política, descobriu que “era
comunista e não sabia! ” Começou assim sua carreira
política, participando do Movimento Justiça e Paz, do MEP (Movimento pela
Emancipação do Proletariado), da fundação do Partido dos Trabalhadores em
Petrópolis, e no movimento sindical. Muitas vezes chamado de radical, Enivaldo
sempre manteve a coerência e a firmeza de suas convicções, além da competência
que o levou a assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico na
administração petista de Barra Mansa.
Mas essa trajetória não teria sido
possível sem a apoio e dedicação de sua companheira querida e mãe de seus
filhos e filha, sempre a seu lado. Em meio às dificuldades que uma família da
classe trabalhadora enfrenta a cada dia, ampliadas pela ferrenha militância
política de Enivaldo, foram a costura e as “quentinhas” de Laura que, muitas
vezes, garantiram o aluguel e a mesa da família.
No entanto, essa carreira que se
mostrava promissora e vitoriosa foi, aos poucos, interrompida pela doença que
nunca o deixou e que o afastou da vida política e do convívio social. Consciente
do mal que o acometia, Enivaldo fez um último esforço para vencê-lo e, dias
antes de sofrer o acidente ao qual não resistiu, elaborou um novo projeto
político para levar à Câmara Municipal, em 2018, uma representação da classe
trabalhadora através do PSOL, partido do qual foi presidente e fundador em
Petrópolis.
Sua última participação em evento
público aconteceu em fevereiro deste ano na entrega do relatório da Comissão
Municipal da Verdade, na Casa dos Conselhos. Ao final do evento, sua intervenção
focada na situação dos presos “comuns” (assim mesmo com aspas, como ele
sinalizava com as mãos sempre que pronunciava a palavra) emocionou toda a
plateia que, ao final, o aplaudiu de pé durante longos cinco minutos. Este ano
Enivaldo Gonçalves será homenageado na Semana da Verdade, Memória e Justiça, em
Petrópolis.
Conheci o camarada em 1992 durante a
campanha eleitoral municipal onde ele era um dos principais articuladores,
representando o PT. No ano seguinte fui convidado a compor sua equipe no SISEP,
o Sindicato dos Servidores Municipais do qual era presidente. Foi o início de
uma grande amizade e parceria política de vinte e cinco anos
de luta, sempre.
Camarada Enivaldo, você vai fazer
falta!
Petrópolis, março de 2017
Paulo P. de Carvalho/
Jornalista
Publicado na Tribuna de Petrópolis, 23/03/2017
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